Dois livros publicados nesta quinta-feira (5) na Itália afirmam que o papa Francisco está perdendo a batalha para moralizar as finanças do Vaticano.
Via Crúcis, do jornalista italiano Gianluigi Nuzzi, e Avareza, do também jornalista Emiliano Fittipaldi, mostram que o pontífice enfrenta imensa resistência nos altos escalões da Igreja Católica para implementar sua filosofia de mais frugalidade e austeridade nos gastos.
Os dois autores fazem alegações – às quais a Associated Press e o The New York Times tiveram acesso – que sugerem um péssimo gerenciamento financeiro na Santa Sé, com direito a suspeitas sobre algumas operações.
Autor diz que Francisco teria sido avisado do tamanho do "problema" quando se tornou papa
Foto: ONU/ UN Photo/Amanda Voisard/Eskinder Debebe/Rick Bajornas/Mark Garten
Aluguéis
Suas informações teriam como base documentos secretos obtidos juntos a alguns círculos do Vaticano. No fim de semana, o monsenhor Lucio Angel Vallejo Balda e a leiga Francesca Chaouqui, que trabalhava no departamento de relações públicas do Vaticano, foram presos sob a acusação de terem furtado material de uma comissão instaurada pelo papa em 2013, poucos meses após sua eleição como sumo pontífice, para apurar os gastos da Igreja.
Uma das alegações mais graves feita por Via Crúcis é o destino do dinheiro do dízimo arrecadado em paróquias ao redor do mundo. Segundo Nuzzi, de cada 10 euros que chegam à sede da Igreja Católica, seis são consumidos com as despesas operacionais do Vaticano.
O escritor diz ainda ter obtido provas de um esquema de vendas de canonizações e beatificações pela Igreja, sob o qual meio milhão de euros poderia fazer com que algumas santificações ligadas a doações mais substanciais "furassem a fila".
Outra alegação de Nuzzi é de que o portfólio de imóveis do Vaticano valeria 2,7 bilhões de euros, valor sete vezes maior que o declarado nas contas da Santa Sé.
Fittipaldi faz alegações ainda mais graves: em Avareza, ele relata um suposto episódio em que 200 mil euros teriam sido desviados do orçamento de um hospital infantil mantido pela Igreja para custear uma reforma no apartamento do cardeal italiano Tarcisio Bertone, que de 2007 a 2014 foi uma espécie de vice-papa e uma das figuras mais poderosas da fé católica. Em entrevista ao jornal Corriere della Sera, o cardeal chamou a acusação de "calúnia" e "uma vergonha".
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As acusações, se confirmadas, podem revelar um quadro preocupante: Francisco não estaria conseguindo fazer com que muitos de seus colegas religiosos adotem sua rotina de frugalidade. Desde que assumiu, o papa tem feito da austeridade algo próximo da obsessão, a ponto de ter aberto mão dos luxuosos apartamentos papais, por exemplo.
Nuzzi afirma no livro que Francisco teria sido avisado do tamanho do problema quando se tornou papa: em junho de 2013, cinco auditores internacionais teriam alertado o pontífice para o que consideraram uma "completa falta de transparência" na contabilidade da Santa Sé.
Em sua avaliação, os custos estariam foram de controle. E um dos exemplos disso é a alegação de que ainda existe uma conta em nome do papa João Paulo 1º, morto em 1978, com fundos da ordem de 120 mil euros. Ele alega também que os aluguéis cobrados de sacerdotes têm preços muito menores que os do mercado, com alguns empregados por vezes morando de graça.
Nuzzi também diz ter informações de que o fundo de pensão do Vaticano tem um rombo de cerca de 800 milhões de euros.
'Burocracia poderosa'
"Francisco lota praças, mas não é muito popular entre alguns religiosos em altas posições. Eles atrasam as reformas que o papa quer fazer. A burocracia no Vaticano é poderosa e capaz de bloquear mudanças", disse o jornalista à BBC.
Segundo o livro de Nuzzi, a resistência se fez presente até no repasse de informações para a comissão instaurada por Francisco para apurar os gastos. Fittipaldi também acusa o Vaticano de ter desviado mais de 400 mil euros em doações em 2013 para cobrir rombos nos gastos do Vaticano.
Nuzzi: "Francisco lota praças, mas não é muito popular entre alguns religiosos em altas posições"
Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
"A Igreja Católica ainda está muito distante de servir os pobres, como o papa quer", explica Fittipaldi. "Escrevi sobre uma igreja muito rica e que gerencia seus recursos de uma maneira bem ambígua. O papa tem por trás dele uma igreja que não quer renunciar a seu poder econômico."
Em um comunicado oficial, o Vaticano se limitou a dizer que "publicações dessa natureza não ajudam de maneira alguma a estabelecer a verdade e que apenas geram confusão e conclusões parciais".
A publicação dos livros é um novo round de uma polêmica iniciada em 2012, quando Nuzzi lançou obra com base em informações supostamente repassadas pelo mordomo do então papa Bento 16 e fez denúncias de corrupção e fraudes em operações do Vaticano. A repercussão, segundo vaticanistas, teria contribuído para a decisão do alemão de renunciar ao papado, em dezembro de 2012.
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