Quando os alpinistas se perdem, pode levar décadas até que seus corpos sejam encontrados em meio ao gelo e à neve da montanha. Mas, com o aumento global das temperaturas, as superfícies congeladas estão diminuindo, o que traz novas esperanças para as famílias dos mortos.
O monte Matterhorn, localizado entre a Suíça e a Itália: corpos ressurgem 45 anos depois
Foto: Zacharie Grossen/Wikipedia
"Sempre estou procurando coisas, cores que não pertencem à natureza, e com muita frequência as vejo: pitões (ferramentas de escalada), mochilas...", diz Gerold Biner, piloto de resgate nos Alpes. "A face oriental do Matterhorn está coberta de coisas. Sempre digo que uma loja para alpinistas poderia ser aberta com tudo que há ali."
Mas, há dois anos, Biner notou algo diferente ao pé da geleira. Era o corpo do alpinista britânico Jonathan Conville, desaparecido desde 1979, que havia ficado exposto depois que o gelo se transformou em água.
Durante os 34 anos que se seguiram ao acidente, o corpo dele foi deslizando gradualmente para baixo, no interior da geleira. E, em setembro do ano passado – o mês que que a capa de gelo é menor, no final do verão –, foram encontrados outros dois: o dos japoneses Masayuki Kobaysahi e Michio Oikawa, desaparecidos após uma tempestade de neve em 1970.
Tesouros escondidos
Em 2014, também foram recuperadas outras coisas dos Alpes: de restos de um avião bombardeiro americano da Segunda Guerra Mundial até uma pilhagem de esmeraldas, rubis e safiras de um voo da Air India que bateu no Mont Blanc em 1966.
Nas últimas décadas, as geleiras estão retrocedendo muito mais rápido, explica Martin Grosjean, especialista no tema do Instituto Oeschger da Universidade de Berna, na Suíça.
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Até o gelo que ficou intacto por milhares de anos começou a derreter, dando lugar a uma nova disciplina: a arqueologia de geleiras.
Além de Oetzi, o homem mumificado de três mil anos achado na fronteira entre Itália e Áustria em 1991, foram encontrados utensílios do lar e roupas de mais de cinco mil anos nas montanhas ao sul de Berna.
O material trouxe novos dados sobre uma civilização dos Alpes da Idade do Bronze que se mostrou muito mais sofisticada do que se pensava. Centenas de pregos de sapatos romanos também foram encontrados no gelo.
Esforços válidos?
À luz desses achados, não deveria, então, ser feito um esforço, sobretudo em setembro, para procurar os alpinistas que se perderam e cujos corpos nunca foram localizados? A ausência de um corpo torna mais difícil aceitar que um ente querido não voltará.
O problema é que "as geleiras avançam e retrocedem naturalmente", diz Grosjean. "Na parte de cima, faz frio e cai neve. Abaixo, o gelo derrete. As geleiras deslizam naturalmente para baixo, o que significa que tudo cai em uma fenda... E, mais tarde, aparece na parte mais baixa da geleira."
Em média, passam-se de 20 a 50 anos até que algo preso à geleira seja expulso. Mas o processo pode levar até um século.
Quando os arqueólogos de geleiras recuperam corpos ou artefatos da montanha, isso geralmente ocorre em áreas em que o gelo não está se movendo, porque a área não é tão inclinada ou porque o bloco de gelo não é suficientemente grande ou pesado. Mas sempre há exceções.
Veja fotos incríveis de derretimento de geleiras:
Nos últimos sete anos, o fotógrafo ambientalista James Balog vem, por meio de seu projeto Extreme Ice Survey (EIS), documentando os sinais visíveis do derretimento de geleiras
Foto: James Balog
Em Disko Bay, o gelo se descolou do manto de gelo da Groenlândia e flutua pelo Oceano Atlântico Norte, elevando o nível do mar
Foto: James Balog
Este pequeno lago de água descongelada foi resultado de altas temperaturas que atingiram o manto de gelo da Groenlândia. A água escoa pelo gelo e desemboca no oceano
Foto: James Balog
Água derretida lubrifica a geleira e faz com que o gelo chegue mais rapidamente ao mar
Foto: James Balog
Em meados dos anos 80, a geleira Columbia, nos Estados Unidos, preencheu este vale até a borda vegetação escura. Desde então, a geleira perdeu 400 metros em espessura
Foto: James Balog
As fotos de James Balog, selecionadas do arquivo de fotos do EIS, foram publicadas no livro Ice: Portraits of Vanishing Glaciers (Gelo: Retratos de Geleiras que Desaparecem), da Editora Rizzoli, Nova York
Foto: James Balog
Segundo Martin Callanan, pesquisador da Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia, a situação não é tão simples.
"O mundo gelado aqui em cima é terrivelmente complexo – tão complexo como a massa de terra que está abaixo com suas margens, valas e fissuras. Simplesmente não sabemos onde ou quando podem aparecer restos congelados antigos."
À medida que o degelo avança, os corpos dos montanhistas perdidos podem surgir de zonas de uma geleira em movimento que, por alguma razão, permaneceram estáticas, explica.
Biner não acredita que seja uma boa ideia buscar sistematicamente os alpinistas desaparecidos há anos. Katrina Taee, irmã de Jonathan Conville, concorda.
"Claro que, em princípio, você está desesperado para encontrá-los vivos", analisa. "Mas você sabe que, a cada vez que alguém sobe o Matterhorn, há muitos riscos. Pessoalmente, não quero que ninguém se coloque em uma situação de risco pelo meu irmão. Para que arriscar uma vida por alguém que morreu há tanto tempo?"
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