"Um exilado ao quadrado", assim se define José Serra, de 72 anos, ao lembrar que há cinco décadas teve que abandonar o país por causa do golpe de Estado de 31 de março de 1964 e precisou passar pela mesma experiência em 1973, ao fugir de sua casa no Chile após a derrocada do presidente Salvador Allende.
Em entrevista à Agência Efe, o ex-ministro do Planejamento e da Saúde, ex-governador e ex-prefeito de São Paulo, e duas vezes candidato presidencial declarou que não acredita na revisão da Lei de Anistia de 1979, que impede a abertura de investigações contra as violações aos direitos humanos e crimes contra a humanidade cometidos pela ditadura.
Em seu escritório do bairro paulistano de Pinheiros, o político do PSDB contou sua experiência como testemunha, na posição de presidente da União Nacional de Estudantes (UNE), do golpe que derrubou o presidente João Goulart.
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— Me transformei em um exilado ao quadrado, disse Serra, que fugiu do Brasil porque declarou não ter tido estrutura para viver na clandestinidade em seu próprio país depois de ser o presidente da UNE, um dos movimentos sociais próximos a Goulart. Serra era presidente da UNE quando em outubro de 1963 escutou da boca de Goulart a seguinte frase: "Não vou terminar meu mandato" depois de solicitar o estado de sítio ao Congresso para inibir as forças políticas que planejavam derrubá-lo. A partir desse momento, todas as partes estenderam suas posições a favor ou contra de Goulart.
— Foram semanas muito tensas e de alguma maneira eu sentia que viria um golpe, uma solução dramática e traumática, afirmou Serra, que esteve presente no famoso ato da Central do Brasil, onde Goulart e os sindicatos anunciaram as reformas de base, entre elas a agrária. Esse ato, segundo Serra, assustou mais a direita e as forças conservadoras, que organizaram a Marcha da Família em São Paulo, financiada pela CIA, reivindicando a queda de Goulart. Na opinião do político tucano, o golpe aconteceu no contexto da Guerra Fria entre Estados Unidos e a então União Soviética.
— O presidente John Fitzgerald Kennedy dizia que se o Brasil passasse ao campo socialista, o efeito para América seria o mesmo causado pela China comunista na Ásia, comentou. Após passar três meses na embaixada da Bolívia, então no Rio de Janeiro, Serra conseguiu um salvo-conduto que lhe permitiu ir à França, onde estudou, e depois se radicou no Chile, onde se casou, teve duas filhas e trabalhou como professor da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso). Em Santiago foi também assessor da equipe econômica de Allende em 1973, enquanto no Brasil se consolidava a ditadura. — Fui detido no aeroporto após o golpe de Estado no Chile e levado ao Estádio Nacional. Consegui escapar porque a embaixada italiana tinha me procurado e a Flacso e a Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe) pressionaram, contou Serra, que depois foi para os Estados Unidos, após refúgio de seis meses na embaixada italiana em Santiago.
— Minha detenção no Chile teve mais a ver com minha atividade como brasileiro que denunciava a ditadura do meu país no exterior que com meu trabalho de assessor do governo de Allende, que economicamente estava mal, porque com inflação de 20% mensal não há governo que resista", contou, evocando a Operação Condor, a repressão coordenada das ditaduras sul-americanas. Às vésperas do aniversário de 50 anos do golpe no Brasil, Serra declarou durante a entrevista à Efe que a Lei de Anistia que permitiu o retorno dos exilados e garantiu a impossibilidade de causas penais contra os agentes do estado acusados de crimes contra a humanidade não será modificada, apesar das exigências de organismos de direitos humanos.
— Acho que é importante investigar o que aconteceu, mas não acho que tenha que haver uma conotação punitiva, ressaltou o político, que advertiu que se o Supremo Tribunal Federal revogar a Lei de Anistia para abrir processos, estes poderiam abranger também os que cometeram ações contra o regime militar. — Sob esta tese, também é preciso abrir as ações da luta armada. Apesar de ser desproporcional em quantidade pela tortura e pelo assassinato sistemático, do outro lado isso também teria que passar pela Justiça. Mas já passaram 50, 40 anos, não acho que isso possa ser feito, concluiu.
fonte:http://noticias.r7.com/brasil/jose-serra-lembra-experiencia-de-exilado-ao-quadrado-apos-golpe-de-1964-29032014
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