O que você acha que uma casa deveria ter no futuro? Milhares de pessoas deram seus palpites pela internet, numa plataforma de crowdsourcing que serviu de base ao projeto N.O.V.A., sigla para “Nós Acreditamos no Amanhã”. E a iniciativa não vai ficar só no mundo virtual. As melhores respostas orientaram o projeto da Casa do Futuro, que será construída em Niterói (RJ) a tempo das Olimpíadas de 2016. O imóvel produzirá energia a partir de placas solares e até por meio do atrito dos passos sobre o piso, além de usar resíduos orgânicos para a geração de gás. A casa também será autossuficiente na utilização de água, contará com uma horta orgânica e um sistema de ventilação que dispensa ar-condicionado. Equipamentos inteligentes medirão o consumo de água, energia e gás em tempo real. E a casa será capaz de monitorar até aspectos relativos à saúde dos moradores.
Sim: moradores. A ideia é que o espaço funcione como um “living lab”, para descobrir quais são as vantagens e os desafios na incorporação dessas tecnologias no dia a dia e ver até que ponto elas podem modificar nossos hábitos de consumo. Felipe Conti, coordenador do projeto, conversou com Caminhos para o Futuro sobre a proposta e explicou por que, afinal, uma empresa que distribui gás e energia está interessada na construção de uma casa autossuficiente nessas áreas.
Quais os custos envolvidos na realização da Casa do Futuro? Um imóvel com essas tecnologias já seria economicamente viável no mercado brasileiro?
O projeto está orçado em R$ 5 milhões, mas isso inclui muitas coisas, como as parcerias com a FGV e a PUC-RJ. Com a construção, propriamente dita, a estimativa é gastar pelo menos 2/3 dessa quantia [R$ 3,3 milhões]. Mas só teremos o valor exato quando os projetos forem finalizados, o que deve ocorrer até o final deste ano. Se esse custo compensaria para uma pessoa comum? Investir em geração de energia e reaproveitamento de água é muito vantajoso. No caso da instalação de placas fotovoltaicas em residências, o retorno do investimento ocorre em cerca de oito anos – e a vida útil dessas placas é de 20 a 25 anos. Em relação à água, ela ainda é muito barata no Brasil. Mas quanto custa não ter água? As soluções adotadas na casa do futuro, como coleta de água da chuva e reuso, garantem que ali não teremos esse problema. Além disso, a gente acredita que os preços da energia e da água vão crescer nos próximos anos.
Fala-se muito em “internet das coisas”. De que modo esse conceito estará presente na Casa do Futuro?
A questão é equilibrar os aspectos sobre os quais as pessoas querem ter comando e os que elas querem delegar. A casa precisa ter inteligência para te ajudar. Ela pode fechar as janelas quando chove, por exemplo, ou fechar a persiana se a incidência de luz num cômodo for muito forte. Ela também pode reduzir gastos. Por exemplo: em muitos países, a energia consumida em horário de pico é mais cara, então a casa pode ligar a lavadora de roupas às 2h da madrugada, quando o preço for menor.
A Enel distribui energia elétrica e gás. Mas a Casa do Futuro será autossuficiente nessas áreas, prescindindo desse tipo de serviço. Como o projeto contribui para os planos da empresa no futuro?
Como diz um de nossos diretores, nós não queremos ser o dinossauro da nossa época. Esse projeto nos ajuda a repensar nosso negócio. No futuro, o consumidor terá cada vez mais poder de decisão, e nós queremos entende-lo melhor, saber quais são suas necessidades, para fornecer não só energia, mas soluções.
É por isso que planejam ter moradores no local?
Queremos observar qual é o nível de interação das pessoas com a tecnologia e ver se ela é capaz de alterar hábitos de consumo. Será que, se o morador tiver contato visual diário com dados sobre o consumo de energia, ele adotará um comportamento mais econômico? Se a resposta for sim, por que não criar um programa de eficiência energética para nossos clientes já no ano que vem? A gente quer saber o que nosso cliente gostaria de usar e, a partir disso, desenvolver novos negócios.
Como se dará a ocupação da casa?
No início, as visitas serão um pouco mais formais, de pesquisadores e parceiros. Mas a ideia é selecionar famílias para que elas vivam durante um período na casa e a avaliem, enquanto nós fazemos levantamentos, para descobrir, por exemplo, se o hábito de abrir muitas vezes a porta da geladeira, de fato, interfere no consumo de energia. A FGV e a PUC-Rio vão balizar essas avaliações e nos ajudar a tomar decisões.
As pessoas estão muito preocupadas com a crise hídrica. Que iniciativas adotadas no projeto poderiam ser facilmente reproduzidas para enfrentar o problema?
A maioria das tecnologias utilizadas já está disponível para qualquer projeto de arquitetura ou mesmo de retrofit [ reforma com o objetivo específico de modernização e incorporação de novidades tecnológicas] de uma casa ou prédio. A captação de água de chuva, por exemplo, é algo muito simples e eficaz. Mas, pelo que ouvimos em escritórios de arquitetura, os clientes acham que isso não tem importância. Um dos focos do nosso projeto é ampliar o alcance desses conceitos. Queremos que as pessoas saibam que essas medidas funcionam e queiram testá-las. Ou, pelo menos, que se sensibilizem para evitar o desperdício.
De todas as novidades previstas, qual a mais difícil de ser implementada?
Como dizem alguns especialistas, o que precisava ser inventado, já foi. O que falta agora é fazer isso tudo conversar. A integração dessas tecnologias é o ponto principal. Mas também há desafios pontuais. Um deles é transformar os resíduos orgânicos em gás e adubo. Ouvimos de especialistas que, para manter uma miniusina, a quantidade de resíduos precisaria ser muito grande, como a de um restaurante. Só que existem startups tentando viabilizar essa ideia em residências. Então vamos testar. Será que integrando essa tecnologia com aquela não dá certo? Será que isso não é viável hoje – mas talvez seja daqui a três anos? Com o tempo, muitas novas tecnologias se tornarão acessíveis.
Outra novidade prevista é a televisão transparente. Que vantagens ela pode trazer?
Esse produto ainda é um protótipo, e a ideia surgiu com a constatação de que estamos vivendo uma revolução das telas – talvez no futuro elas sejam mais integradas à arquitetura. Além disso, a ideia também se relaciona com uma demanda por espaços flexíveis. As pessoas querem que o mesmo ambiente possa ser sala e, depois, cozinha. Que possa funcionar como quarto e também como pista de dança.
Como a Casa do Futuro dialoga com aspectos da arquitetura brasileira?
Elencamos vários critérios para a escolha do escritório que faria o projeto, e um deles era esse: que representasse a arquitetura nacional. Em primeiro lugar na nossa seleção, apareceu o escritório do arquiteto Arthur Casas, que, para nossa sorte, topou assim que apresentamos a proposta. Ele se inspira muito em arquitetos modernistas como Vilanova Artigas [1915-1985], com suas soluções espetaculares, e se preocupa em aproveitar da melhor forma a relação da casa com o local onde ela está. Ele utilizou ventilação cruzada até sob a construção! Resultado: o imóvel não precisará de ar-condicionado por 70% dos dias do ano. Com esse calor do Rio de Janeiro, é uma coisa ótima.
fonte:http://revistagalileu.globo.com/Caminhos-para-o-futuro/Energia/noticia/2015/10/casa-do-futuro-de-r-5-milhoes-e-projetada-partir-de-ideias-de-internautas.html
0 comentários:
Speak up your mind
Tell us what you're thinking... !